Desconhecidos
Desconhecidos
Kathléen Carneiro
Quando Soraia
chegou no trabalho naquela manhã, seus colegas caminhavam de um lado para o
outro, os telefones tocavam sem parar, o som dos teclados eram mais alto que o
normal. Sem entender bem o que estava acontecendo, foi até sua mesa, ligou seu
computador e o telefone tocou. Era sua supervisora lhe questionando sobre os
pagamentos dos processos de Mariana que deveriam ter sido realizados no dia
anterior, mas não foram efetuados devido aos problemas de conexão da rede.
Soraia entendia que se o sistema não efetuasse nenhuma das ações feitas, eles
perderiam os prazos das demandas judiciais.
Era uma
ligação atrás da outra, toda hora um novo e-mail urgente e explicações para
dar. Antes que percebesse, já era a hora do almoço e muitas pendências já
haviam sido resolvidas, mas ainda havia muito a ser feito. Se quisesse ir
embora no horário, teria que almoçar com uma mão no garfo e outra no mouse.
Mesmo que em alguns momentos ela ficasse com um nó na garganta e a cabeça
fervilhando, Soraia seguia firme. Era só mais um dia de trabalho que acabaria
em breve.
Quando
finalmente concluiu o serviço, muitos dos seus colegas já haviam ido embora.
Soraia pegou o celular, carteira e fone de ouvido que estavam em cima da mesa e
os jogou na bolsa, enquanto isso, o computador desligava. Quando a luz da tela
finalmente apagou, suspirou. Dobrou o pescoço da direita para a esquerda, olhou
para cima e agradeceu pelo fim daquele dia. Se levantou, pegou a bolsa e
caminhou em direção a saída.
Chegando na
rua, sentiu uma brisa vinda e se apressou em vestir o cardigã mesmo sabendo que
não lhe esquentaria. O sol já havia se posto e o último resquício de sua
presença era um feixe de luz alaranjada que logo seria tomado pela noite.
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Romeu
tomava café da manhã com seus pais toda quarta feira. Naquele dia, a mãe o
chamou na cozinha e, falando baixo, disse que seu pai estava com alzheimer.
Eles já estavam percebendo algumas mudanças em seu comportamento, mas nada de
esquecimento. Ele já não sentia mais vontade de comer, só queria ficar quieto
lendo seu velho livro de cabeceira e, às vezes, embaralhava a fala.
Sem saber
como reagir, Romeu ligou para o trabalho e disse que não conseguiria ir com a
justificativa de uma doença qualquer que lhe renderia um bom atestado médico.
Desligou o telefone, assentou ao lado de seu pai no sofá e aproveitou aquele
silêncio, a não ser pelo jornal da manhã que passava na televisão.
Sua rotina
composta por uma agenda repleta de compromissos era a causa da sua falta de
tempo. Depois de ter sua ansiedade diagnosticada e traduzida em remédios, se
comprometeu a estar em lugares que se sentia tranquilo, por isso, uma vez na
semana separava um momento para estar com sua família. Mas com essa nova
informação dada por sua mãe, ele temia que esse lugar de paz e conforto fosse
substituído por tristeza e falta.
Ficar com os
seus pais, apoiando sua mãe e aproveitando enquanto o seu pai estava ali com
eles, de corpo e mente, era a melhor decisão. Ao longo do dia, teve a
oportunidade de ajudar sua mãe no cuidado da horta e fazer o almoço bem como se
esforçou a fazer bons comentários dos filmes que assistiu junto com seu pai. No
fim da tarde, decidiu ir embora e quando saiu na rua, observou o quanto o céu
estava alaranjado e a lua já estava aparecendo. As primeiras estrelas já
estavam ali quando Romeu iniciou sua caminhada para casa.
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Era o último
dia da estação mais fria do ano. Ventava bastante e a noite ocupava sua posição
mais cedo. Faltava pouco para Soraia chegar em casa, bastava virar a próxima
direita. Já Romeu, precisaria caminhar mais dois quarteirões depois de virasse
a rua a esquerda. Ambos dobraram a esquina no mesmo instante. Soraia parou
quando percebeu que esbarraria em alguém, enquanto, Romeu continuou caminhando
e esbarrou nela. Eles se olharam, sorriram e se abraçaram.
Por um
instante, Soraia sentiu que todas suas preocupações estavam se esvaindo e não
restava nada além de sua presença ali, naquele abraço. Romeu sentia o mesmo,
pois a preocupação com seus pais, com a notícia que recebeu, não parecia ser
tão complicada como a poucos instantes. Eles se sentiam aquecidos por aquele
abraço.
Alguns
segundos depois, Soraia e Romeu tentavam se lembrar do nome da pessoa que
estavam envolvendo, mas nenhum nome lhes vinha a memória. Talvez estivessem com
a mente cansada demais para lembrar um do outro, ou apenas não se conheciam.
Eles se soltaram, se olharam novamente e, com um último sorriso, se cruzaram
seguindo seus caminhos. Marcados por aquele encontro, nunca mais se viram.
#KC<3
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