Crônica do Futuro


Por Kathléen Carneiro

Eu vim do passado. Só pode. Não me lembro quando o mundo mudou tanto. Eu nem vi o tempo passar.
A última coisa que me lembro foi que eu estava digitando em uma máquina de escrever as seguintes últimas palavras do meu livro: “e a modernidade começou”. De repente, fui transportado para um mundo que eu não mais conhecia. 

Quando sai de casa, vi as pessoas presas, presas por uma luz que não compreendia bem como funciona. Pensei que pudessem ser máquinas de manipulação extraterrestre, até pegar em uma e descobrir o mundo.

Eram mini computadores de mão portáteis com acesso a informações que nem os meus livros eram capazes de imaginar. Fiquei em choque quando busquei o meu nome no oráculo e apareceu imagens de pessoas e, no meio dessa busca, eu me vi. Lá no fim da página havia uma fotografia minha. Bem que eu pensei que esse sistema tivesse o registro de todo mundo e eu não estava errado. Ele tinha. Mas um coisa lamentei, era tanta gente, tanta informação que as coisas se confundiam, se perdiam. 

Desesperado com a facilidade que esse computador dava para as pessoas buscarem coisas em todo mundo, fui procurar em que tempo estava para entender que loucura era essa. Encontrei um calendário. Mas ele era diferente. Tinha imagens nele, marcações coloridas, rostos de pessoas numa data específica chamada “evento”. Não entendi bem a função dele já que eu fiquei mais confuso que esclarecido. 

Então, ainda sem norte, fui parar num lugar cheio de curtas e longas metragens. Como assim tinha um “aplicativo” de curtas metragens feitas por pessoas normais? As pessoas faziam seus próprios filmes agora? Eu já não estava entendendo mais nada. Cada uma dessas reproduções tinha números altos de visualizações. Não entendo como a pessoa era vista tão rápida e por tanta gente. 

Quando eu pensava que não podia complicar mais, eu senti que estava em outro lugar. De repente fui transportado para outra dimensão. Eu estava na China, no Japão, no Brasil e na Alemanha. Me vi dentro de um espaço cheio de fotos de lugares do mundo, de pessoas, de comidas e a cada segundo que passava eu recebia uma nova imagem, e mais, e mais … De repente, me perdi de onde comecei. 

No pouco tempo que usei esse computador de mão, eu vivi muitas vidas, conheci muitos lugares, aprendi muita coisa e encontrei toda a informação que precisava. Só que tinha um problema, eu estava preso, a luz havia me prendido também. Finalmente, decidi me libertar e foi nesse momento eu percebi que havia se passado uma vida. Eu me vi num novo mundo, numa nova realidade. 

As pessoas já não se falavam mais tanto, pelo menos encarnadas no tempo presente. Elas estavam sempre no mundo onde há várias possibilidades, mas se esqueceram de viver a realidade. Com isso, começaram a circular informações falsas que favoreciam uns ou outros, pois se sabia que ninguém iria buscar a verdade. A ignorância se propagou tanto que até um dos bens mais preciosos da humanidade querem destruir, os livros. As pessoas se perderam em um mar de oportunidades e agora precisam de uma luz para sair, luz essa que não seja igual a luz que aprisiona. A facilidade e praticidade tomou o lugar da veracidade e igualdade. 

São esses os nossos tempos. Tempos em que cuidar da informação se tornou um desafio e tanto. Tempos em que prezar pela verdade de um fato é enfrentar um sistema que ilude e aprisiona. Tempos em que quem questiona se reprime por não ser como os que concordam. Tempos em que o que é mais fácil é mais importante do que é mais veras. Tampouco, este é um momento em que uma luz que aprisiona desafia cada um que insiste em nadar contra a corrente. 

Por isso faço uma convocação: procura-se profissionais capacitados dispostos a “preservar o cunho liberal e humanista de sua profissão, fundamentado na liberdade da investigação científica e na dignidade da pessoa humana”.

#KC<3


REFERÊNCIAS

CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Resolução CFB nº 207/2018. Código de Ética e Deontologia do CFB. Disponível em: http://www.cfb.org.br/wp-content/uploads/2018/11/Resolu%C3%A7%C3%A3o-207-C%C3%B3digo-de-%C3%89tica-e-Deontologia-do-CFB-1.pdf. Acesso em: 08 ago. 2019.







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