Não se olhe pelo espelho de narciso


Não se olhe pelo espelho de narciso

Kathléen Carneiro

Essa semana, assisti a uma aula de Conceição Evaristo sobre como escrevivência é uma forma de autocontemplação, mas que a beleza negra não se encaixa no espelho de Narciso. Esse personagem da mitologia grega é conhecido por se sentir atraído somente por sua própria imagem. É um auto admirador símbolo da vaidade que, no entanto, faz alusão a uma beleza que não possui traços negros, cabelos cacheados e pele preta. 

Na fala da palestrante ficou muito claro o entendimento de que a nossa beleza, a beleza negra, não cabe no espelho de narciso. Historicamente falando, nunca fomos considerados belos e atraentes, pois sempre estamos fora de um padrão que foi estabelecido, padrão esse que não precisamos nem descrever. Ele está estampado nos protagonistas dos filmes, séries e novelas que assistimos; nos brinquedos que consumimos na infância; nas revistas de moda e beleza; nos manequins das lojas de roupa; nas propagandas publicitárias; e, principalmente, nos espaços de poder que nos regem. 

Os olhos de narciso nunca nos consideraram belos. A mulher preta é vista, por vezes, como um objeto sexual ou dama de companhia, sempre solitária, nunca boa o suficiente para ser amada. O homem preto é um ícone sexual idealizado a base de vários abusos, objeto de desejo de pessoas brancas. Ambos são fortes e guerreiros, mas agressivos e independentes. Mito, tudo isso é mito! Nós queremos ser amados, ter companhia, ser mais do que a aparência. Lutamos pelo aperfeiçoamento do nosso intelecto na tentativa de reescrever essa história de solidão. 

Não é atoa que levamos muito tempo para construir o conceito de beleza. Como se diz: preto está na moda. E não estou falando da roupa, mas de nosso corpo. Tratam-nos como momento, como se nossa beleza fosse algo passageiro, momentâneo. Meu cabelo cacheado não é moda. Meu black power não é tendência. Minha presença incomoda por ser quem sou. Os olhos que me veem saltam até a cor da minha pele antes mesmo que eu diga qualquer coisa. Estamos sempre fora do padrão e, por isso, temos que afirmar a beleza negra o tempo todo. A começar pela existência de nosso corpo negro.

O espelho de narciso expulsa nosso rosto, nosso cabelo, nossas curvas, nossos conhecimentos e crenças, nossas filosofias, nossa dor, nossa existência. O espelho de narciso nos condena a uma vida de solidão, de intolerância, de exclusão. Cabe-nos a busca por outros espelhos que nos representem. Olhares que nos identificam e reconhece quem somos. Espelhos como o da mitologia de Oxum e Iemanjá dão força a nossa cultura, ao nosso povo. Precisamos buscar visões que legitimam nossa luta e nos aceitam como somos. Não precisamos no encaixar, muito menos ser aceitos. Nossa existência independe do querer do outro e a grande verdade é que somos os mais belos de todos os povos. Somos lindos em todas as nossas particularidades. Não concorda? Os incomodados que se retirem.


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