DO FRUTO PROIBIDO EU COMO ATÉ AS SEMENTES
DO FRUTO PROIBIDO EU COMO ATÉ AS SEMENTES
Kathléen Carneiro
Já faz trinta minutos que Sabrina está escolhendo maçãs. Primeiro, ela passou pela bancada de uvas e escolheu as mais verdes. Depois, virou para a melancia que estava ao lado, selecionou a mais brilhante e pediu que um dos funcionários que estava próximo dali a cortasse pela metade. Pegando a banda envolvida no plástico, seguiu em frente. Foi até as bananas e mangas localizadas a algumas bancadas depois e sua decisão foi a mesma: escolher os itens que não estavam maduros. Com as sacolas na mão e a melancia no braço, encontrou um carrinho vazio no corredor ao lado e colocou ali a sua seleção até o momento.
A teoria de Sabrina era de que frutas que amadurecem no sacolão não ficam doces. Para que elas estejam na sua melhor condição de consumo, elas devem ser bem lavadas ainda verdes e colocadas em uma fruteira bem espaçosa e arejada, sem ter que brigar por espaço com tantos outros alimentos. Pensando nisso, continuou a sua busca pelos melhores pomos. Ao longe, reparou nas maçãs verdes que estavam organizadas em uma pirâmide bem equilibrada. A cada passo que dava, a sua vontade era pegar uma delas, especificamente uma das que compunham a base do monumento. Teria prazer maior do que ver todas aquelas maçãs rolando pirâmide abaixo e ocupando todo o chão? Com certeza as duas pessoas que estavam perto delas iam ficar surpresas com os movimentos desgovernados que as essas frutas roliças são capazes de fazer.
Chegando ao fim do corredor, Sabrina parou em frente à bancada de maçãs e balançou a cabeça saindo do devaneio. Deu a volta no carrinho e chegou bem perto da pirâmide. O verde das cascas era tão intenso e bonito que a vontade dela era de abocanhar uma delas ali mesmo. Conteve-se puxando um dos sacos do suporte lateral, abrindo-o e depositando nele as melhores maçãs que encontrava, claro que sem destruir o empilhamento delas. Depois de colocar umas quatro frutas no recipiente, Sabrina não se conteve ao encontrar a maior e mais bonita fruta na base da torre. Pegou a grande maçã verde e, limpando-a em sua blusa de malha, mordeu a fruta com toda a vontade contida em seu âmago.
A primeira mordida veio doce como mel fazendo com que todas as suas papilas gustativas salivassem. Ela ansiava por mais e mordeu novamente. Saboreando o pedaço que mastigava, a memória da noite anterior a dominava por inteiro. Mordidas de prazer e desejo por todo o seu corpo. Os lábios dele traçaram um caminho por cada membro da Sabrina passando por sua barriga desnuda, entre seus seios, chegando no seu pescoço que se contorcia de prazer até, por fim, capturar a sua boca. O doce de sua saliva era inesquecível.
Quando acabou de mastigar o pedaço e estava prestes a morder novamente, reparou alguém vindo em sua direção. Era ele, o homem que a havia arrebatado na noite anterior e na manhã daquele mesmo dia. Sabrina deixou os braços caírem ao seu lado e, a cada passo que dava em sua direção, ela era tomada por uma necessidade quase incontrolável de tocá-lo. Ele parou em sua frente, a poucos centímetros de distância, pegou a maçã da sua mão largada e olhou atentamente os vazios dos pedaços arrancados por ela poucos minutos antes. Com as sobrancelhas arqueadas, ele fitou e sorriu de forma que nenhum dente é revelado. Ele mordeu o que restava da maçã, enquanto Sabrina se afogava na profundidade do seu olhar. Ela suspirou.
Sem que percebesse, os dedos dele subiram por seus braços, descendo pela sua coluna vertebral e encontrou repouso na sua cintura. Sabrina não tinha forças para impedir quando ele a puxou para si e seus lábios colidiram. Sabrina conhecia bem a dificuldade do dilema da mulher preta em se entregar a alguém sem que a objetifique. Ela sabia que aquele seria um desses momentos de satisfação em que todas essas questões sociais não importam. Não para ela e nem para ele. Eles só desejavam aquele beijo, agora adoçado, mais do que o próprio ar. Então, suas línguas encontraram o caminho até uma a outra e ali iniciaram uma dança que fez tudo ao seu redor desaparecer. Eles se separaram por alguns segundos ofegantes demais.
No momento que abriu os olhos, Sabrina reparou que havia arrancado o último pedaço da maçã e sentiu a semente da fruta em sua boca. Ela engoliu os grãos, jogou o saco no carrinho e passou pelo corredor ligeiramente, só não foi mais rápida que sua imaginação. O único problema é que não tinha para onde fugir já que o sabor da lembrança estava mais claro do que nunca em seu paladar. Ela não se lembrava do nome do cara, mas sabia que a bala de maçã verde fez toda a diferença na noite anterior.
Publicado na Revista Contos de Samsara em 2023/2.
Comentários
Postar um comentário