BOSSA NOVA: um tributo a todos os amores não vividos – parte I

 


O ENCONTRO
Kathléen Carneiro

Me lembro da primeira vez em que te vi. Caminhava pelo corredor da faculdade com o rosto inclinado ao chão. Contava passo a passo reparando na mudança de piso que havia entre os departamentos. Um lado era preto e branco, o outro todo preto com texturas circulares e o da frente marrom e liso. Não pensava em nada relevante. Talvez estivesse criando o argumento perfeito para o debate da aula do dia anterior ou torcia para que o cardápio do almoço fosse bom. Faltando poucos metros para virar, levantei a cabeça ainda divagando e algo no fundo do corredor chamou minha atenção.

Não sei se foram os óculos redondos, a bota amarela se destacando sobre a calça jeans escura ou o fato de você estar vindo em minha direção que me tirou do foco. Por um milésimo de segundo, os meus olhos varreram cada detalhe do meu campo de visão e lá estavam eles, seus olhos pretos como uma jabuticaba. Ansiosa por compreender o que estava acontecendo, nossos olhares de encontraram. Faltava ar no meu pulmão, forças nas minhas pernas e a boca secou. Permanecíamos presos um ao outro a cada passada e suas sobrancelhas se arqueavam se questionando, provavelmente, sobre quem eu era. Uma estranha que te encarava sem a menor discrição. Apesar disso, em momento nenhum você parou de sorrir.

Na tentativa de memorizar cada detalhe para contar as minhas amigas, seus cabelos cacheados penteados a muito bom gosto num black power redondo atraíram minha atenção. Como sempre, havia alguns cachos maiores que insistiam em ficar mais abertos do outros. Eles formavam a moldura perfeita para o seu rosto. Olhos redondos, grandes e escuros e a boca grande e curvilínea desenhados cuidadosamente sobre a tela em pele negra. A cada passo que aproximava, nos reconhecíamos.

Eu sempre tive muita coragem para enfrentar meus sentimentos, ainda mais quando se trata de pessoas que amo. Nunca tive problema de cumprimentar desconhecidos, fazer novas amizades ou até mesmo ouvir o que os outros têm a dizer. No entanto, naquele dia eu continue caminhando na expectativa de que trocássemos uma saudação descompromissada e, quem sabe, iniciássemos uma conversa longa e agradável. Parece loucura, mas eu não sabia que me prenderia ao seu olhar por tanto tempo que perderia o caminho das palavras. Seguimos nos aproximando e, logo que passamos ao lado um do outro, nossos sorrisos tomarão conta de todo o espaço. Você passou direto por mim e eu virei o corredor a frente com a certeza de que era você. Desde a primeira vez, era você.


                                    Continuação na próxima semana, dia 18 de março de 2022.

#KC<3

Comentários

Postar um comentário

Veja também